Artigos

 

Breve Estudo Jurídico – Econômico: A “Curva de Laffer” –

 

por Nicolau A. Haddad Neto

Há que se ter em conta que se torna jurídica, até por questão de segurança jurídica, a consideração dos efeitos econômicos que uma norma tributária é capaz de produzir. E esses efeitos econômicos, como se disse, extravasam o âmbito dos prejuízos causados à parte, num eventual processo judicial, porque, como se verá, enquadrados estão intotum na teorização do que se evoluiu pela denominação de CURVA DE LAFFER, acerca da qual se buscará trazer breves esclarecimentos, da forma mais didática e acessível que nos fora possível, mormente na transcrição dos esclarecimentos de Tim Groseclose, abaixo apresentada.

A ideia apresentada pela Curva de Laffer foi popularizada na década de 1970, abstraída do trabalho de ARTHUR LAFFER. Mais tarde, Laffer esclareceu que essa concepção encontrava respaldo em ideias já existentes nos trabalhos e estudos do século XIV, do norte-africano Ibn Khaldun, que discutira o tema em sua obra, de 1377, Muqaddimah, bem como, também já tratara do tema o consagrado economista britânico John Maynard Keynes, como se sabe, defensor do Estado intervencionista.

Tim Groseclose, professor de Ciências Políticas e Economia na UCLA (University of California at Los Angeles), ao se expressar à Prager University, discorre sobre a Curva de Laffer,[1] concepção econômica relevantíssima para a temática da redução da tributação:

Como se sabe, o conceito leva o nome da pessoa que o desenvolveu – Arthur Laffer, um grande economista americano, que lecionou na Universidade de Chicago, na Universidade do Sul da Califórnia e em outras instituições.

A Curva de Laffer ilustra as duas questões mais importantes que devemos saber sobre tributos:

(1)         QUANTO O GOVERNO CONSEGUE ARRECADAR POR MEIO DE TRIBUTOS E EM QUE NÍVEL DE TRIBUTAÇÃO A RECEITA DO GOVERNO COMEÇARÁ A DIMINUIR, AO INVÉS DE AUMENTAR

A Curva de Laffer é ilustrada por um gráfico bidimensional:

O eixo horizontal representa a taxação tributária sobre a economia e o vertical representa a receita que o governo com ela recolhe, ou seja, a arrecadação tributária. Primeiramente, uma vez que zero vezes qualquer número é, por óbvio, zero, se a taxação tributária for zero, a receita do governo também será zero.

Assim, “0,0” é o primeiro ponto no gráfico. Suponha-se, então, que o governo adote uma taxação tributária bem baixa, 1%, por exemplo. A partir daí, o governo começará a receber valores do contribuinte pagador. Ou seja, o outro ponto no gráfico seria algo assim:

Suponha-se, na sequencia, que a taxação tributária seja de 2%. Torna-se evidente que a receita do governo aumentaria, o que significa que o outro ponto no gráfico seria assim:

E, se o governo continuar aumentando com base nesta progressão, a receita continuará subindo, pelo menos enquanto a taxação tributária for baixa, como se verá. Isso quer dizer que, se se traçar uma linha, ela terá uma inclinação para cima. Pois bem, suponha-se que o governo estabeleça uma tributação de 100%.

Se isso ocorresse, praticamente ninguém trabalharia ou se esforçaria para promover o movimento da economia. E a pergunta retórica bem esclarece a problematização, inclusive já observada na história dos ciclos econômicos depressivos: Porque alguém trabalharia se a tributação confiscasse toda sua remuneração?

O efeito indutor de uma tributação assim, nitidamente confiscatória, é de inferência imediata: Não haveria empreendimentos efetivos com a obrigatoriedade de se entregar 100% de seu resultado aos cofres públicos! E, por óbvio, se se cogitar em tributação sobre a receita, esses 100% tornar-se-iam simplesmente inimagináveis!

Fácil compreender, portanto, a lucidez do Ministro Orozinbo Nonato, então relator do feito no Supremo Tribunal Federal, quando, falando em nome da Corte e julgando lei municipal santista, entendeu excessiva a majoração do imposto sobre cabines de banho:

O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade. É um poder, em suma, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso […].

E, mais adiante, arremata:

[…] os julgados têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode-se acender não somente considerando a letra, o texto, como também, e principalmente, o espírito e o dispositivo invocado.

Retomando-se, então, temos que, se, em razão da tributação, praticamente ninguém empreender, a renda nacional será praticamente zero, o que significa que a receita do governo seria 100% de zero, ou seja: ZERO.

Dessa forma, a outra extremidade da linha estaria como demonstrada a seguir:

Percebe-se, então, que a linha teria uma “corcova”, que poderá ser como a acima reproduzida ou como a demonstrada a seguir:

Poderia ainda, aparecer da seguinte forma:

Veja-se que, independentemente do desenho, sempre haverá a “corcova”. Isto ocorre porque a linha da receita sobe na parte do gráfico na qual a taxação tributária é mais baixa, e começa a cair até atingir o ponto que se havia fixado, na citada taxa tributária de 100%.

O ponto de descendência da curva tem um significado importante, algo que poucos entre os que defendem tributos mais altos querem admitir:

SIGNIFICA QUE, QUANDO A TAXAÇÃO TRIBUTÁRIA ESTÁ ALTA, SE NÃO FOR REDUZIDA, ESTARSEÁ, NA VERDADE, DIMINUINDOSE A ARRECADAÇÃO DO GOVERNO!

Confira-se novamente:

De fato, isso já ocorreu muitas vezes na história.

Por exemplo, durante a Grande Depressão norte-americana, quando o Congresso aprovou a lei tributária Hawley-Smoot, ainda que a lei tenha aumentado impostos sobre bens importados, a receita proveniente destes impostos em verdade caiu  Os EUA também fornecem um exemplo mais recente, do começo dos anos 80: Depois que o presidente Reagan e o Congresso reduziram drasticamente os impostos sobre os mais ricos, a receita proveniente dos mesmos acabou aumentando significativamente.

Por isso, todos os economistas, até mesmo os esquerdistas, concordam que a verdadeira curva de arrecadação, a que reflete a vida real, tem uma “corcova” e que, portanto, em algum ponto a linha, descende, o que significa que em algum ponto a receita começa a cair, quando for elevada a taxação tributária.

Então, em que ponto os economistas discordam? Discordam sobre o ponto exato no qual ocorre a “corcova”. Em 1984, teorizava que a “corcova” ocorria aproximadamente quando a taxação estivesse nos 70% de tributação sobre a economia, momento em que a arrecadação começaria a diminuir. Mas, hoje já se pode afirmar que esta teoria estava errada!

Novas evidências e de uma fonte inesperada, porém confiabilíssima, indicam que a “corcova” ou a redução da arrecadação ocorre a partir de uma taxação tributária muito mais baixa:

A PARTIR DE 33,00% DE TRIBUTAÇÃO SOBRE A ECONOMIA:

E a citada fonte consiste em um estudo feito por Christina Romer e por seu esposo David Romer, ambos professores de Economia na Universidade da Califórnia em Berkeley. E Christina Romer fora simplesmente a chefe do Conselho de Economistas do presidente norte-americano Barack Obama. Em outras palavras, o estudo foi feito por uma das economistas de esquerda mais influentes dos EUA e foi publicado no The American Economic Review, revista científica de Economia das mais respeitadas no mundo. O estudo examinou como a economia nacional responde às taxas tributárias.

O ponto principal do estudo foi que, feitas todas as pesquisas e cálculos, os resultados mostraram que a “corcova” da Curva de Laffer ocorrera a partir da taxação de 33,00% sobre a economia, ou seja, bem abaixo do que os economistas tradicionais cogitavam.

Tomando-se tal conclusão sob um viés político-econômico, salta aos olhos a evidência pela qual, não importando qual a ideologia política, não pode ser aconselhável a um Estado ter a taxação tributária alcançando 33% da economia!

Portanto, a qualquer análise econômica ou de modulação de decisão de inconstitucionalidade  deverá se levar em conta e se opor a taxação de 33%, pois, conforme a pesquisa de Romer e Romer, quando a tributação atinge tal percentual, a receita ou arrecadação do Estado, sem dúvida, acaba diminuindo!

Portanto, independentemente da ideologia política, merece total atenção o estudo de Christina Romer e de David Romer: há substanciosa demonstração de que se se reduzir a taxação tributária total de um Estado, sua receita deverá aumentar!

E torna-se mais grave ainda a questão analisada, quando se correlaciona o índice-limite de 33% (comprovado no citado estudo sobre a Curva de Laffer) e a realidade tributária brasileira. É pública e notória a ultrapassagem deste limite, pela tributação brasileira há muito tempo. Confira-se:

BRASIL TEM MAIOR CARGA TRIBUTÁRIA DA AMÉRICA LATINA, DIZ OCDE

Fernando Nakagawa, correspondente ,

O Estado de S.Paulo

16 Março 2016 | 16h47

Brasileiros pagam 33,4% do PIB em impostos

[…]

JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO DE 13/3/2016:

[…] O Brasil é o País com a maior carga tributária em toda América Latina e Caribe. Estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que brasileiros pagam o equivalente a 33,4% do tamanho da economia em taxas e impostos. Proporcionalmente, o montante é mais de 50% superior à média da região. […]

Esse novo estudo sobre estatísticas tributárias confirma a percepção dos brasileiros de que a carga tributária é elevada. Em 2014, brasileiros desembolsaram o equivalente a mais de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) para pagar impostos, taxas e contribuições. Essa é a maior carga entre 22 países listados e o dado brasileiro está mais de dez pontos porcentuais superior à média de 21,7% registrada na América Latina e Caribe.

Estudos da Secretaria da Receita Federal do Brasil, apesar de apresentarem indicação de 32,4%, ao invés dos citados 33,4%, em nada se opõem ao levantamento da OCDE, ao contrário, mencionam-no e dele se utilizam para inferências, como demonstra este quadro, elaborado pelo órgão brasileiro (“Carga Tributária no Brasil 2015 – análise por tributos e bases de incidência”, pág.14):

É de se anotar que, independentemente de ser o índice da tributação de 2014 32,4% ou 33,4% do PIB, a respectiva média apresentada pela própria Secretaria da Receita Federal do Brasil, nos últimos sete anos, atinge praticamente a casa dos 33% do PIB (32,8%, exatamente), o que só reforça o sinal de alerta para o deletério efeito indutor que nossa carga tributária infere na respectiva arrecadação.

O que se vê, sem dúvida, é que a carga tributária brasileira assume papel crucial no desenvolvimento das atividades econômicas e, mais que isso, na consequente diminuição das receitas do Estado. Portanto, ao contrário do que se tem concebido, desonerações tributárias poderiam ser meio para o estímulo das atividades econômicas, ainda mais quando estejam em harmonia com nosso regime constitucional, como, e.g., é o caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS e tudo o que se infere dessa medida.

Isso posto, encerramos esses estudos na esperança de que suas breves considerações serão apreciadas para, principalmente, colaborar com a atividade jurisdicional, num momento em que os efeitos indutores das normas tributárias devem ser enfrentados não por factóides, mas em verdade factual, no resguardo e no amparo de um Poder Judiciário independente e comprometido com o bem estar e desenvolvimento do pais, posto que, parafraseando François Andrieux,7 8 temos segura confiança de que

A I N D A H Á J U Í Z E S N O B R A S I L !

Compartilhar:

Mais matérias