PIS e Cofins sem ISS – “Ubi eadem ratio, ubi eadem jus”
Eis que não há distinção entre a forma de incidência do ICMS e do ISS, logo a conclusão sobre o caso em tela há de ser a mesma.
Por Nicolau Abrahão Haddad Neto, Robinson Vieira e Renata Martins Alvares
23 de Agosto de 2021
Na 6ª.f., 20/8/2021, iniciou-se o julgamento no STF do RE 592.616-RS (tema 118 de repercussão geral – PIS e Cofins sem ISS) pelo sistema de julgamentos virtuais, o que significa que os ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques, em tese, agora debaterão apenas entre eles o caso e promulgarão seu posicionamento uma semana depois, em 27/8/2021.
O tema é relevantíssimo para toda a coletividade. Por isso, é momento para serem trazidas considerações, até para relembrar pontos cruciais aos eminentes ministros.
A questão colocada à discussão é em verdade a mesma daquela debatida e resolvida pela própria Corte Constitucional, no julgamento de 15/3/2017, em torno da inclusão ou não do ICMS nas bases de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins, nos autos do RE 574.706-PR e que culminou com a edição da tese consubstanciada no tema 69 de repercussão geral.
Tal tema, é importante que se observe, inclusive, já havia sido objeto de outro julgamento, no mesmo sentido, ocorrido em 16/12/2014, quando a Corte já antecipara seu entendimento acerca da questão, sacramentando que:
TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro.
COFINS – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da COFINS, porque estranho ao conceito de faturamento. (RE 240.785-MG, relator ministro MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, Dje 16.12.2014).
Portanto, claro está que o STF, iterativamente, vem entendendo pela exclusão dos tributos incidentes nas operações de circulação de bens e que, porque não dizer, da mesma forma se aplicaria à circulação de serviços. Assim, trata-se de matéria já decidida pela Corte Máxima, a qual, diga-se de passagem, não experimentou desde o pronunciamento de 15/3/2017 (RE 574.706-PR), nenhuma alteração significativa em sua composição, que justificasse novo pronunciamento acerca da matéria, o que, sem dúvida, ocasionaria a sensação de insegurança jurídica.
Evoca-se, pois, ao caso o brocardo jurídico ubi eadem ratio, ubi eadem jus¹
Ora, reconheceu-se naquele julgado tratar o ICMS de valor que, embora transitando pelo caixa do contribuinte, a este não pertence, sendo montante devido ao Estado-membro da federação, como titular do crédito tributário.
Calha à mão, de se referir ao voto do i. min. CELSO DE MELO (pg. 188, nos autos do RE 574.706-PR), reportando-se às lições de ROQUE ANTONIO CARRAZZA, acolhidas no voto da i. min. CÁRMEN LÚCIA:
O ‘punctum saliens’ é que a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS leva ao inaceitável entendimento de que os sujeitos passivos destes tributos ‘faturam ICMS’. A toda evidência, eles não fazem isto. Enquanto o ICMS circula por suas contabilidades, eles apenas obtêm ‘ingressos de caixa’, que não lhes pertencem, isto é, não se incorporam a seus patrimônios, até porque destinados aos cofres públicos estaduais ou do Distrito Federal. […]
A parcela correspondente ao ICMS pago não tem, pois, natureza de ‘faturamento’ (e nem mesmo de ‘receita’), mas de simples ‘ingresso de caixa’ (na acepção ‘supra’), não podendo, em razão disso, compor a base de cálculo quer do PIS, quer da COFINS.
Da mesma forma, o ISS também incide sobre as prestações de serviço e, embora ingressando no caixa do contribuinte, a este não é permitido apropriar-se, antes o exigem as normas que tais valores sejam carreados aos cofres dos Municípios, os titulares de tais créditos tributários.
Eis que não há distinção entre a forma de incidência do ICMS e do ISS, logo a conclusão sobre o caso em tela há de ser a mesma.
Por isso, afastemo-nos, desde logo, de sofismas, porquanto de nada vale cogitar-se que a exclusão do ICMS das bases de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS seria decorrente de sua apuração pela sistemática da não-cumulatividade.
Aliás, há que se relembrar de ponto essencial: o § 7º do art. 2º do DL 406/68, não revogado pela LC 116/2003, estabelece categoricamente que:
O montante do impôsto de circulação de mercadorias integra a base de cálculo a que se refere êste artigo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de contrôle. (Grifos nossos).
Veja-se, pois, que também o ISS é imposto que comporta o destaque na nota fiscal.
E a referência é importante, porque evita, desde logo, o equívoco de raciocínios singelos e enganosos.
Eis que o ISS, tanto quanto o ICMS, é tributo incidente sobre operações de circulação, no caso, de serviços, categorizando-se como tributo sobre o consumo, daí a importância da previsão legal de seu destaque na nota fiscal, como forma de o adquirente do produto ou do serviço ser informado da incidência ocorrida na operação realizada, além de ser documento de registro da ocorrência da hipótese de incidência tributária.
Tanto no RE 240.785-MG como no RE 574.706-PR, e também no caso ora comentado (RE 592.616-RS), debateu-se a incidência tributária a partir da posição do sujeito passivo da relação jurídica tributária, vale dizer, daquele que pratica a hipótese de incidência tributária – emite a nota fiscal com o destaque do ISS e que, por isso, se põe nessa posição, já que dele é que serão exigidas as contribuições para o PIS e a Cofins.
Isso afasta também e peremptoriamente, quaisquer considerações atinentes à relação jurídica pertinente ao direito de crédito nas aquisições efetuadas, em razão da entrada da mercadoria no estabelecimento, que nada, absolutamente, nada têm a ver com o debate ocorrido nos REs 240.785-MG e 574.706-PR e no feito em questão, RE 592.616-RS, visto que as aquisições são apenas atinentes à posição do comprador ou do tomador de serviços.
De outra banda, a questão referente ao ICMS apurado após a aplicação do sistema de não-cumulatividade, é bom que se frise, foi espancada de modo categórico pelo julgado proferido por ocasião da apreciação dos Embargos Declaratórios da União Federal, no âmbito do RE 574.706-PR:
[…] por maioria, em rejeitar os embargos quanto à alegação de omissão, obscuridade ou contradição e, no ponto referente ao ICMS excluído da base de cálculo das contribuições PIS-Cofins, prevaleceu o entendimento de que se trata do ICMS destacado […]
Portanto, de todo sofismático argumento que busque na sistemática da não-cumulatividade do ICMS elemento que justificaria uma diferenciação entre aquela questão decidida anteriormente e esta, objeto do processo em comento.
Assim, mostra-se completamente impróprio, para dizer o mínimo, que se avente novamente aquela questão vencida, mormente para se tratar do ISS, em que sequer existe dúvida sobre o “imposto destacado” ou “imposto recolhido”.
Como já se disse, é ao sujeito passivo da relação jurídica tributária que impõe a incidência do ICMS, aquele que promove a saída de mercadorias. Da mesma forma se dá com o ISS, já que é a condição de sujeição passiva que está em consideração, ou seja, aquele que pratica a hipótese de incidência do ISS, aquele que presta serviços tributáveis. (O contribuinte é o prestador do serviço – art. 5º da LC 116/2003).
Esse o foco da demanda: a base de cálculo das contribuições PIS e Cofins relativamente ao ISS incidente por ocasião da prestação de serviços. Nada mais!
Também não se sustenta eventual argumento referente à repercussão econômica, com a integração do ISS ao patrimônio do contribuinte.
Novamente, há que se registrar que, mediante mais um sofisma, tentar-se-ia cravar entendimento segundo o qual a repercussão econômica do ISS é uma “escolha”, livre e espontânea do contribuinte, donde se retiraria o equivocado entendimento de que, quando é embutido o valor correspondente ao ISS, auferiria o prestador receita ou faturamento próprio, que se integraria a seu patrimônio de maneira definitiva.
A “escolha” do contribuinte em promover a repercussão ou não do ISS, se se admite que exista, ad argumentandum tantum, em nada modifica o fato de que:
(1) se houve a prestação do serviço, haverá incidência do ISS;
(2) se houve a incidência do ISS, a base de cálculo das contribuições sofrerá os seus efeitos, segundo iterativamente se pronunciaram os órgãos da fiscalização, visto que não haveria previsão para exclusões além das previstas em lei e
(3) havendo a incidência de PIS e COFINS sobre os valores atinentes ao ISS, tais montantes se dão de modo indevido, posto que o ISS não é valor que componha o patrimônio do contribuinte, posto que devido por lei aos Municípios e, assim, receita exclusivamente municipal.
Mostra-se, portanto, de toda a obviedade que a mera circunstância de o ISS incidir na prestação de serviços e transitar pelo caixa do contribuinte, não é suficiente para que se lhe atribua a conceituação de receita tributável pelas contribuições sociais.
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¹ “The law consists, not in particular instances and precedents, but in the reason of the law. For reason is the life of the law. Nay, the common law itself is nothing else but reason; which is to be understood of an artificial perfection of reason, acquired by long study, observation, and experience, and not of every man’s natural reason.” (Broom, Herbert, A Selection of Legal Maxims Classified and Illustrated, 10th Ed., (London: Sweet & Maxwell Limited, 1939), pages 94.).
Tradução livre: A lei consiste não em instâncias e precedentes particulares, mas sim na razão da própria lei. Porque a razão é o que dá vida à lei. Ressalte-se que a common law não é nada mais do que razão e que deve ser compreendida como um instrumento de busca da perfeição em tese, a partir de longo estudo, da observação e da experiência, e não do senso singelo do homem simples.
Atualizado em: 23/01/2023 16:51
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/350558/pis-e-cofins-sem-iss–ubi-eadem-ratio-ubi-eadem-jus
Nicolau Abrahão Haddad Neto
Sócio fundador da Advocacia Haddad Neto. Professor convidado da FGV/SP. Palestrante e parecerista em Direito Tributário. Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pelo CEU.
Robinson Vieira
Sócio da Advocacia Haddad Neto. Advogado tributarista. Especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) e pelo IBET. Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP.
Renata Martins Alvares
Sócia da Advocacia Haddad Neto. Advogada tributarista. Especialista em Direito Tributário pelo CEU-IICS – Escola de Direito (Centro de Extensão Universitária e Instituto Internacional de Ciências Sociais).