PIS e Cofins: os números verdadeiros para o STF
Clareza de dados para o Supremo não penalizar o bolso do contribuinte na devolução destes tributos
Por Nicolau Abrahão Haddad Neto, Robinson Vieira, Luiz Antônio Scavone Junior, Othon Theobaldo Ferreira Junior e Renato Aparecido Gomes
Em 2021, os contribuintes têm renovadas suas esperanças de verem encerradas as tentativas de a União prejudicar a economia e sair incólume da devolução do que recebeu indevidamente de PIS e de Cofins, tributos que por ela vêm sendo cobrados bem além do que a Constituição permite; o segundo, há 33 anos, e o primeiro, há mais de 50 anos.
Tudo indica que o atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, deva colocar em pauta as causas de impacto econômico, logo no início do ano.
Justamente por isso é que há dados a serem trazidos à baila, a fim de que argumentos meramente políticos não prevaleçam, em detrimento da sociedade e da própria justiça.
Nesse aspecto, cabe comentar uma peça, chamada de memorial, que o procurador-geral da República, Augusto Aras, entregou em mãos dos Ministros do STF no final do ano passado sob a falaciosa alcunha de combater uma “bomba fiscal”, argumentando que seria a devolução do PIS e da Cofins do período prescricional possível para as empresas, que apenas é de 5 anos antes da entrada de cada ação e não 50.
O aludido memorial não está nos autos do processo que falta encerrar, o RE 574.706/PR, porque fôra entregue diretamente em mãos dos onze ministros: à época – Celso de Mello, hoje substituído por Kássio Nunes Marques; Marco Aurélio de Mello Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia (relatora do caso), Luiz Fux (atual presidente do STF), Rosa Weber (vice-presidente), Gilmar Mendes, Edson Fachin, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.
Nesse sentido, não há como não registrar um grave pesar, porque um tema de repercussão geral para a sociedade, como este o é, mereceria total transparência processual, ainda mais por parte de um procurador-geral da República, até para que fosse ampla e livremente debatido.
A postura de Aras segue a mesma linha da procuradora-geral que o antecedeu, Raquel Dodge, e contraria frontalmente a posição oficial para o caso da própria instituição Procuradoria-geral da República (PGR), a qual esteve presente no julgamento principal do aludido processo, ocorrido em março de 2017.
À época, em alto e bom som e exatamente no oposto da tese defendida por Aras, a manifestação da PGR no processo pode ser resumida nas próprias palavras de seu autor, José Bonifácio Borges de Andrada: […] por fim, me impressionou muito a argumentação do procurador da Fazenda Nacional. Ele quase me convence de que se pagarmos mais impostos pagaremos menos. E que se pagarmos menos impostos, pagaremos mais. Eu quase acreditei na tese […], mas não é possível. Há uma contradição em termos nessa sustentação oral. […] Apenas para fixar o posicionamento nesse julgamento, senhora presidente, a Procuradoria-Geral da República neste momento se posiciona na mesma linha do julgamento havido no Recurso Extraordinário 240.785 de Minas Gerais, em que ficou constante da ementa, que relativo a ICMS, (este) não compõe a base de incidência da Cofins, porque é estranho ao conceito de faturamento.
Desde o julgamento a que o então representante da PGR, José Bonifácio, se referiu, ocorrido em 2014, a União já apresentava argumentos verdadeiramente de terror fiscal, porque vem daquela época a alusão a que o país quebraria, se tivesse que devolver o que cobrou inescrupulosamente a mais da população.
O memorial do procurador Augusto Aras pontuou que a devolução poderia “comprometer o funcionamento dos órgãos do Estado, os investimentos públicos e a implementação dos direitos sociais”; e repetiu números cujas fontes nunca foram explicadas, nem mesmo na LDO de 2020, bravateando que “a repercussão financeira pretérita do julgamento (repetições de indébito) monta a mais de R$ 250 bilhões, até 2015”.
Assim, continuou incapaz de fazer com que a União revelasse de onde tirou os valores e sem apresentar qualquer estudo técnico – nem no processo e nem na mídia.
Contudo, há outros 250 bilhões a serem considerados e, estes sim, se referem a um crédito concreto da União, crédito que uma efetiva eficiência sua poderia ajudar a receber, e sem quaisquer bravatas.
Para se ter uma ideia, estes bilhões integram uma lista, a qual a União não tem dado destaque, que contém seus devedores e que indica um total que supera a casa dos 646 bilhões de créditos, em relação a quê não houve efetividade de recebimento até o presente novembro de 2020.
Só que tais cifras, além de verdadeiras, não são obscuras, como as aludidas por Aras em seu memorial. Tudo está acessível no endereço eletrônico www.listadevedores.pgfn.gov.br, no qual constam os créditos já constituídos em favor da União, já inscritos em sua Dívida Ativa, e isso sem computar os valores já parcelados por devedores da União, já garantidos ou com exigibilidade suspensa, como o próprio site menciona.
Basta uma busca simples no referido site para se chegar aos mais de 646 bilhões de crédito. Lá, inclusive, é possível escolher os critérios de pesquisa conforme a natureza da dívida, entre FGTS, previdenciária, multa trabalhista, multa eleitoral, multa criminal, demais débitos tributários e demais débitos não-tributários, além da faixa de valores pesquisados. Foram escolhidos, neste levantamento, valores de dívidas entre 20 mil reais e um quatrilhão de reais, de FGTS, previdenciária e de demais débitos tributários.
A lista obtida contém 45.957 devedores em todo o Brasil. Mas a surpresa é que os primeiros 245 já superam a cifra enigmática da Fazenda Nacional e de Aras, de 250 bilhões, ou seja, já totalizam 250,267 bilhões!
Então, de um lado, temos uma cifra de 250 bilhões sem explicação, se a União, em tese, “injetasse” essa monta no mercado, a título de devolução, pelos últimos 5 anos de cada ação, em relação ao tanto que cobrou a mais pelos últimos 50 anos.
De outro lado, há um dado oficial, com valores “a receber” pela União, na ordem de 250,267 bilhões, onde se pode ver o CNPJ de cada devedor, além da conferência exata do débito pelo número de inscrição na Dívida Ativa.
De um lado, 250 ‘bi’ de um débito hipotético e sem fundamento e, de outro, mais de 250 ‘bi’, de um total superior a 646 ‘bi’ de créditos, já constituídos, perfeitamente fundamentados e que somente esperam efetividade em seu recebimento.
Das tantas inferências que advém do confronto dos números políticos de Aras com os números verdadeiros da Dívida Ativa, preferimos ficar apenas com as de natureza econômica.
Em 2007, dois economistas do governo democrata estadunidense de Barack Obama, Christina D. Romer e David H. Romer, publicaram o estudo The macroeconomic effects of tax changes: estimates based on a new measure of fiscal shocks (Os efeitos macroeconômicos das alterações fiscais: estimativas baseadas em uma nova medida de choques fiscais). Incrivelmente, tal estudo reviveu um antigo e, no Brasil desprezado, trabalho de 1970, do economista Arthur Laffer, a Curva de Laffer.
Constataram que, quando a tributação de um país chega a 33% de seu PIB, em verdade se inicia uma queda de arrecadação, como reação social implacável ao peso tributário. E o próprio Tesouro Nacional (www.tesourotransparente.gov.br) dá conta de que a carga tributária brasileira foi de 33.17% do PIB em 2019, em clara sinalização de cifras impeditivas da recuperação econômica e social, tão essencial em tempos de pandemia global.
Estes, pois, os números verdadeiros, que se espera sejam considerados pelo STF no encerramento do caso da exclusão do ICMS do PIS e da Cofins.