Fux deve priorizar julgamento de ações com impacto fiscal
Futuro presidente do Supremo Tribunal Federal é um entusiasta da “análise econômica do direito”
Por Luísa Martins — De Brasília
31/08/2020 05h01
Prestes a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux deve aproveitar o poder de gerenciar a pauta para priorizar casos com impacto perante a chamada “Análise Econômica do Direito” (AED), teoria que ele costuma citar em seus votos e da qual é um forte adepto. Trata-se de uma escola segundo a qual as decisões judiciais não podem ignorar as consequências que são capazes de produzir na sociedade.
O entusiasmo com a metodologia – já consolidada nos Estados Unidos, mas ainda tímida no Brasil – deve levar o ministro a priorizar ações de relevante impacto fiscal, como as que questionam o tabelamento do frete, a ampliação do auxílio-acompanhante, a implementação do juiz das garantias, a constitucionalidade da Lei da Liberdade Econômica e a modulação dos efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo da PIS/Cofins (ver tabela).
A AED não trata apenas de economia. Foi com base nesse método de análise que Fux se manifestou pela ilegalidade do indulto de Natal do então presidente Michel Temer, em 2017, e a favor da prisão após condenação em segunda instância, em julgamento no ano passado – em ambos as ocasiões, ficou vencido. Para o ministro, a interpretação da Constituição e das leis tem de levar em conta potenciais “efeitos de segunda ordem”: nesses casos específicos, por exemplo, a possibilidade de gerar na população a percepção de impunidade e, eventualmente, resultar em um aumento nos índices de criminalidade.
A AED enxerga as normas jurídicas como incentivadoras do comportamento humano e da tomada de decisões – e, por isso, se opõe a correntes de interpretação mais dogmáticas, que se fiam na letra fria da lei e hoje prevalecem na composição do Supremo, com a ala do tribunal a que se convencionou chamar de “garantista”.
Em março de 2019, quando o plenário julgou a competência da Justiça Eleitoral para processar crimes comuns conexos aos eleitorais, Fux discutiu o tema com o ministro Ricardo Lewandowski, cuja principal crítica é a de que a teoria submete direitos fundamentais a conveniências econômicas momentâneas. Fux atribuiu a oposição do colega a um suposto “medo de novo”
Apesar da resistência de alguns pares, o futuro presidente da Corte prossegue na empreitada de evidenciar uma linha de pensamento que, segundo ele, busca a eficiência e a desburocratização, ancorando-se na consolidação da jurisprudência e em iniciativas de conciliação como forma de evitar o alto grau de judicialização no Brasil.
Neste ano, em meio à profusão de processos relacionados à pandemia, Fux citou a AED ao votar, em abril, pela flexibilização das leis trabalhistas, permitindo às empresas a redução de salários e jornadas mediante acordos individuais, sem necessidade de participação dos sindicatos.
“Não é só sobre as relações empregatícias, mas também sobre o aspecto da ordem econômica. Quando as empresas vão à bancarrota, não há empregos”, disse ele, ao validar a medida provisória do presidente Jair Bolsonaro.
Aliás, nos bastidores do tribunal, é recorrente a conversa de que os indicados de Bolsonaro para o STF (serão ao menos dois até 2022, um já em novembro deste ano) possivelmente reforcem o “time” do liberalismo econômico na Corte, o que poderia alavancar a aplicação da AED.
No meio jurídico, Fux é considerado um magistrado mais favorável à economia de mercado do que à intervenção do Estado na economia. Alguns de seus posicionamentos mais recentes, lembram advogados que acompanham a pauta do Supremo, salvaguardaram o princípio da livre iniciativa.
Ele formou, por exemplo, a corrente majoritária do STF que proibiu os municípios de vedar aplicativos de transporte individual, como Uber e Cabify. “Não é legítimo evitar a entrada de novos integrantes no mercado para promover indevidamente o valor de permissões de táxi”, votou.
Considerando o atual contexto de crise sanitária, o encontro do Direito com a economia nunca foi tão necessário, diz a advogada Deborah Sales, membro da Comissão de Direito Administrativo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “O STF será um importante ator para que essa escola, que historicamente recebeu pouca atenção dos nossos julgadores, ganhe relevo. O custo social e a repercussão econômica das decisões já não podem ser desconsiderados pelo Judiciário”, disse.
Por outro lado, a aplicação dessa metodologia não é benquista entre especialistas da área criminal, que temem um aumento de condenações injustificadas em nome do combate à criminalidade. “Sem essas considerações, essa linhagem impulsiona uma máquina de perseguições e de desvios persecutórios”, diz o advogado Thiago Turbay, coordenador-adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) em Brasília.